Privacidade em mutação (Parte I)
A privacidade, entendida como um direito, acompanha o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC's). A configuração da privacidade no contexto dos EUA revela as razões essenciais da reclamação da privacidade como um direito associado à propriedade privada. O direito a uma vida privada, longe dos olhares, e das garras, de um corpo leviatânico incontrolável, surge como um símbolo da independência e da autonomia do indivíduo.
O desenvolvimento de instrumentos para assegurar esse caráter davidiano frente ao golianismo das crescentes estruturas burocráticas armadas de recursos tecnológicos cada vez mais invasivos, promove uma dinâmica diferente da verificada no contexto europeu. Ao invés de centralizar o controle para mapear os dados pessoais, clarificá-los e segmentá-los, promove seu controle parcial, adequando as transações econômicas a eles. No entanto, a emergência do terrorismo internacional abala essa perspectiva. E o direito à privacidade, de símbolo se metamorfoseia em ameaça.
A ideia de privacidade mudará completamente, forçada a adaptar-se a um mundo assimétrico, feito de sombras e luzes. A partir de agora, começando com o texto abaixo, mostramos os estudos que indicam possibilidades físicas de viabilizar uma comunicação efetivamente privada. Talvez seja possível, afinal, eliminar essa dualidade sombra-luzes para, afinal, realizar aquilo de que precisamos: apenas luzes.
Comunicação bidirecional simultânea
Classicamente, a informação viaja apenas em uma direção, do remetente ao receptor.
No reino da mecânica quântica, não.
Flavio Del Santo e Borivoje Dakic, da Universidade de Viena, na Áustria, demonstraram teórica e experimentalmente que os fótons podem transportar informações simultaneamente nas duas direções, algo que é "proibido" pelas leis da física clássica.
Para isso, explica a dupla, basta usar uma partícula quântica que tenha sido colocada em uma superposição de dois locais diferentes. Estar em uma superposição quântica significa que a partícula estará "simultaneamente presente" na localização do remetente e do destinatário - nessa superposição de espaço, é mais ou menos como se houvesse um buraco de minhoca entre as duas partículas, permitindo que elas "decidam" onde vão ficar, embora ninguém saiba como é feita essa comunicação entre partículas superpostas.
Portanto, ambos os parceiros podem codificar suas mensagens em uma única partícula quântica ao mesmo tempo e enviá-la.
"Considere o cenário mais simples, onde dois usuários, Alice e Bob, querem trocar um simples bit de informação, ou seja, 0 ou 1. Eles codificam seus respectivos bits (mensagens) ao mesmo tempo, diretamente no estado de superposição de uma partícula quântica. Uma vez que a informação está codificada, os usuários enviam suas 'partes de partícula quântica' um para o outro," explicou Dakic.
Comunicação segura e anônima
Entre os dois usuários, é necessário colocar um dispositivo chamado divisor de feixes.
"Com base na mensagem que a partícula carrega, quando ela atinge o dispositivo, ela salta de volta para Alice ou Bob de forma determinística. Mais precisamente, o dispositivo unitário orienta a partícula de um 'modo inteligente', de forma que, no final, Alice e Bob recebem o bit (mensagem) que foi enviado para eles. Por exemplo, se a partícula chegar a Alice, ela saberia que o bit de Bob era exatamente o oposto do seu bit e vice-versa," detalhou Dakic.
Então, ambos enviam e recebem uma mensagem na mesma quantidade de tempo que demoraria para enviar uma mensagem unidirecional usando uma partícula clássica.
Com base em seus experimentos usando fótons, a equipe garante que esse tipo de comunicação tem como vantagens adicionais ser seguro e anônimo - um espião que capturar a partícula quântica no meio do caminho não saberá dizer quem é o remetente e quem é o destinatário e sua ação será denunciada imediatamente porque a partícula será alterada, quebrando a superposição.
Two-way communication with a single quantum particle Flavio Del Santo, Borivoje Dakic Physical Review Letters Vol.: 120, 060503 DOI: 10.1103/PhysRevLett.120.060503 https://arxiv.org/abs/1706.08144
FAIS GILSON FAIS ADVOGADO. São Paulo. Brasil.